O Partido Republicano da Ordem Social (Pros) repassou mais de R$ 18 milhões do fundo eleitoral para candidatos que tiveram resultado inexpressivo nas eleições deste ano. O valor corresponde a cerca de 20% do total que o Pros recebeu de sua cota do fundo eleitoral neste ano (aproximadamente R$ 90 milhões).
Esses candidatos não conseguiram atingir nem 500 votos nas disputas para a Câmara dos Deputados, em Brasília, ou por uma vaga em suas Assembleias estaduais. A baixa votação e os repasses vultosos que alguns dos candidatos receberam levantam suspeitas de que não tenha havido empenho por parte de alguns deles e que suas candidaturas tenham sido de fachada.
O cenário político partidário do Pros engloba, ainda, denúncias de corrupção de dirigentes partidários e disputa pelo comando da legenda, levantando ainda mais suspeitas sobre esses repasses.
A CNN apurou que integrantes da Polícia Federal que analisam casos envolvendo o Pros já receberam denúncias sobre alguns desses candidatos que serão descritos a seguir e analisam as acusações feitas contra a cúpula do Pros. O inquérito tramita em sigilo, segundo três fontes ouvidas pela reportagem.
O levantamento a seguir foi feito pela CNN cruzando dados da prestação de contas apresentada pelos candidatos à Justiça Eleitoral e o resultado eleitoral de cada um deles. Também foram analisados os históricos eleitorais de alguns desses candidatos.
Foram identificados casos de candidatos com recursos públicos e votações inexpressivas em 13 Estados (Acre, Amapá, Amazonas, Bahia, Ceará, Goiás, Maranhão, Minas Gerais, Pará, Paraná, Rio de Janeiro, Roraima e São Paulo) e no Distrito Federal.
Desde o dia 10 de outubro, a CNN tem tentado entrar em contato com os citados nesta reportagem. Alguns não se manifestaram. Outros apresentaram explicações parciais, sem falar sobre a relação entre os grandes recursos públicos e o fraco resultado eleitoral que tiveram.
A CNN também entrou em contato com o advogado Bruno Pena, que defende o diretório nacional do Pros, comandado por Eurípedes Júnior. Pena alegou que o “partido não tem como prever” a votação que cada candidato terá e que os candidatos que disputaram as eleições saíram de chapas montadas por Marcus Holanda, ex-presidente da legenda contra quem Eurípedes disputa uma batalha judicial.
Nas eleições presidenciais, o Pros se aliou ao candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT), depois quem uma batalha judicial pelo comando da legenda retirou a candidatura de Pablo Marçal à presidência.
Candidata “reincidente” no Amazonas
Um dos quadros mais representativos é o de Adriana Moura de Mendonça, candidata a deputada federal no Amazonas. Ela recebeu R$ 3 milhões – quantia que os grandes partidos repassaram a candidatos competitivos e próxima ao teto de gastos que a campanha a deputado federal permite, de R$ 3 milhões.
Para efeito de comparação, o valor a que Adriana teve direito foi quase o mesmo valor que o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, recebeu do PP para sua campanha à reeleição: R$ 3,1 milhões.
Apesar desses recursos dignos de candidatos puxadores de voto ou de “caciques” partidários, Adriana teve apenas 240 votos nas eleições deste ano, apesar de sua candidatura estar indeferida e em fase de recurso.
Além disso, a candidata é “reincidente” em receber recursos públicos e atingir votações irrelevantes. Em 2018, ela foi candidata a deputada estadual pelo mesmo Pros no Amazonas, tendo recebido 41 votos. À época, o partido repassou a ela R$ 177 mil que foram gastos, majoritariamente, com “atividades de militância e mobilização de rua”, segundo sua declaração de contas.
Nas eleições deste ano, a candidata declarou à Justiça Eleitoral já ter gastado R$ 1,5 milhão desse total, tendo sido R$ 750 mil com uma agência de publicidade, R$ 503 mil com uma gráfica e R$ 250 mil com a produção de programa partidário.
A CNN entrou em contato com as três empresas que prestaram serviços para sua campanha. Duas delas confirmaram a contratação, mas não forneceram exemplares dos produtos entregues (material de campanha impresso e programa partidário). A agência de marketing não respondeu os questionamentos da reportagem.
A CNN também tentou entrar em contato com Adriana Mendonça. Os números de telefone registrados na Justiça Eleitoral, porém, não são da própria candidata, mas do presidente do diretório estadual do partido no Amazonas, Edward Malta. O político, que, neste ano, se apresentou como candidato a deputado federal –mas acabou renunciando–, também não respondeu os questionamentos da reportagem.
Casos suspeitos em Minas Gerais
Outro caso suspeito é o de Gisele da Silva Teixeira Menezes, candidata a deputada estadual em Minas Gerais. Ela teve o registro aceito pela Justiça Eleitoral, mas conseguiu apenas 72 votos, muito distante dos mais de 28 mil votos que o último deputado estadual eleito teve.
Gisele recebeu R$ 300 mil para sua campanha, tendo declarado R$ 15 mil em gastos com três pessoas, especificadas como “líderes de equipe” de sua campanha. Cada um desses líderes recebeu R$ 5 mil pelos serviços.
Nas contas em redes sociais apresentadas à Justiça Eleitoral, não há nenhuma menção à sua candidatura, o que é mais um indício da falta de empenho na candidatura e dá sinais do que pode ser uma candidatura de fachada.
A CNN entrou em contato com Gisele por telefone e por mensagem. Ela informou que utilizou os R$ 300 mil em sua campanha eleitoral e que “os documentos foram entregues ao contador, para que envie à Justiça Eleitoral”. “Fiz campanha eleitoral focada mais com militância de rua, fiz publicações no feed das redes sociais também, mas apaguei, já que é um perfil pessoal e não fui eleita”, alegou.
O caso de Gisele não é isolado em Minas Gerais. Outro caso que chama a atenção é o de Luciene Peres, que também tentou uma vaga na Assembleia Legislativa mineira. Ela recebeu somente seis votos. O Pros repassou R$ 25 mil para a campanha de Luciene. A candidata não informou à Justiça Eleitoral, até o momento, como os recursos foram usados.
A CNN entrou em contato com o número de telefone que consta no pedido de registro de candidatura de Luciene. Quem respondeu se identificou como sua filha e disse que ela fica na zona rural. A pessoa que se identificou como filha de Luciene afirmou, ainda, que todo o dinheiro foi gasto com pagamentos de trabalhadores para a divulgação da candidatura, material de campanha, aluguel de carro para fazer propaganda, entre outros gastos.
Questionada sobre a baixa votação de Luciene, respondeu: “Ingratidão, né? Porque minha mãe ajuda tanta gente. Mas isso foi bom pra ela ver quem é amigo de verdade e não ficar ajudando pessoas ingratas, mas trabalhar. Ela e nós trabalhamos muito e levamos a sério, infelizmente não foi dessa vez. Acredito que se ela tivesse usado o dinheiro em benefício próprio não precisaria ela voltar para trabalhar igual um peão matuto de roça, não”.
Primo de Eurípedes recebe R$ 2 milhões
Alessandro Sousa da Silva nasceu em Planaltina, Goiás, e é primo de Eurípedes Júnior, atual presidente do Pros. Alessandro, inclusive, foi secretário-geral do partido durante a gestão de Eurípedes. Nas eleições deste ano, porém, Alessandro se lançou candidato a deputado federal pelo estado de São Paulo. Recebeu R$ 2 milhões do diretório nacional do partido, comandado por seu primo.
Apesar do reforço nos recursos para sua campanha, Alessandro teve apenas 496 votos no maior colégio eleitoral do país. Para efeito de comparação, o deputado federal eleito com a menor votação foi Tiririca (PL), que teve 71 mil votos e contou com R$ 600 mil do diretório nacional do PL em sua campanha.
Alessandro declarou à Justiça Eleitoral já ter gasto R$ 1,4 milhão em sua campanha. A maior despesa foi de R$ 490 mil com uma agência de marketing digital em São José dos Campos (SP) aberta em agosto deste ano –o que levanta suspeitas de que a empresa tenha sido aberta para maquiar o gasto. No registro da empresa (chamada Web Pro Agência de Marketing Digital), o endereço informado é o de um apartamento localizado em um bairro de classe média da cidade paulista. A reportagem tentou entrar em contato com o número de telefone registrado pela empresa, mas não houve retorno.
A CNN entrou em contato com Alessandro, mas não teve resposta até a publicação desta reportagem.
No DF, candidatos se negam a apresentar informações
No Distrito Federal, dois candidatos se destacaram por terem votações baixas, mesmo tendo recebido recursos consideráveis do Pros.
A advogada Karen Lucia Santos Rechmann tentou uma vaga na Câmara Distrital da capital federal, mas teve míseros 80 votos. Contou, em sua campanha, com R$ 100 mil fornecidos pelo Pros.
Até o momento, a candidata não informou à Justiça Eleitoral como gastou os recursos recebidos. Em resposta à CNN, Karen primeiro aceitou apresentar os dados pessoalmente. Depois, porém, ela cancelou a entrevista e se recusou a apresentar informações de como gastou o dinheiro e disse que eles estariam disponíveis ao público apenas no prazo de prestação da campanha.
Questionada se gostaria de se manifestar sobre o fato de ter tido uma votação baixa e ter contato com recursos do fundo eleitoral, disse que em sua declaração “não consta nenhum recibo de harmonização facial” e que “os gastos foram realizados segundo os preceitos legais”.
Outro caso que levanta suspeita é o de Lusiano Francisco de Sousa. Também candidato a deputado distrital, o vigilante teve 103 votos. A direção nacional e a direção distrital do Pros forneceram R$ 400 mil para que Sousa viabilizasse sua campanha.
O candidato declarou ter gastado cerca de R$ 62 mil em sua campanha. Desse total, R$ 26 mil foram usados para pagar Arthur Neves, que, em resposta à CNN, disse ter prestado serviços de marketing, como criação de banner, de artes e gerenciamento de redes sociais.
A CNN entrou em contato com Sousa, que informou que todo o dinheiro recebido foi gasto em sua campanha. Assim como Karen, porém, ele se recusou a apresentar como foram usados esses recursos: “A prestação de contas será feita nos prazos legais”. O candidato não quis apresentar uma explicação para a baixa votação que teve, apesar dos altos recursos públicos injetados em sua campanha.
Advogado afirma que partido “não pode prever” votação dos candidatos
O advogado Bruno Pena, que representa o diretório nacional do Pros, comandado por Eurípedes Jr., disse, em entrevista à CNN, que o partido “passa por uma situação atípica” causada pelas trocas na cúpula da legenda.
Pena alegou que a mudança fez com que o partido disputasse a eleição com pessoas que se filiaram quando o presidente do Pros era Marcus Holanda.
“O Pros disputou um campeonato por um time que não foi escalado por ele [Eurípedes], foi escalado pelo Marcus Holanda. Quando pega um time que não foi escalado por você, não conhece o time. Tem que fazer aposta em pessoas que você imagina que possa ter uma votação. O partido fez uma destinação de recursos em pessoas que poderiam ter uma votação”, afirmou.
Pena argumentou, ainda, que “existe uma série de conjuntura que é difícil prever a votação de pessoas mesmo quando elas já foram testadas nas urnas”.
Questionado sobre casos como o de Adriana Mendonça, que, em 2018, já havia tido uma votação baixa, o advogado alegou que “o partido pode fazer apostas, inclusive na participação de mulheres na política” e que a candidata teria sido casada com um político influente no estado.
“Se o partido for pegar somente quem for votado… Partido não tem como prever”, afirmou o advogado.
Procurado pela CNN, o ex-presidente do Pros Marcus Holanda afirmou que, “nas eleições, foi Eurípedes Jr o ‘técnico’ que tinha mais de R$ 90 milhões nas mãos”. “Ao que tudo indica, Eurípedes Júnior não repassou corretamente os recursos aos candidatos, o time do Pros não marcou gol e teve uma vergonhosa derrota eleitoral. Agora, resta ao TSE descobrir onde foi parar tanto dinheiro. Infelizmente, sob o comando de Eurípedes Jr., o Pros ostenta o título de partido que mais desvia recursos públicos. Diante desse quadro, espera-se que o TSE reveja a liminar que manteve Eurípedes Jr. no comando do partido e faça a verdadeira justiça. Afinal, onde foram parar esse mais de 90 milhões?”, afirmou.
Pros não atingiu cláusula de desempenho
O Pros elegeu apenas três deputados federais, segundo informações da Justiça Eleitoral. O partido foi um dos que não conseguiu atingir a chamada cláusula de desempenho –uma série de requisitos estabelecidos pela lei que limitam o acesso ao fundo partidário, ao tempo de TV e à atividade partidária no Legislativo.
Essa cláusula foi estabelecida pela reforma política aprovada no Congresso Nacional em 2017, junto com a criação do fundo eleitoral.
Diante desse cenário, o Pros iniciou conversas com o Solidariedade (que também não atingiu a cláusula de desempenho) para que os partidos se unam.
O processo, porém, pode se arrastar pelo fato de que a disputa pelo comando do Pros se encontra na Justiça. Em agosto, o TSE confirmou uma decisão do ministro Ricardo Lewandowski, que determinou o retorno de Eurípedes Jr. ao comando do partido. À época, o ministro afirmou haver um “quadro de instabilidade e insegurança jurídica” que justificaram a decisão.
Além disso, o Pros já foi alvo de investigações por suspeitas de corrupção. Em 2018, por exemplo, Eurípedes Jr. foi alvo de um mandado de prisão –posteriormente revogado– por causa de suspeitas de desvios de recursos na prefeitura de Marabá (PA).
O partido também já esteve nos holofotes por causa de suposto mau uso de recursos do fundo partidário. Eurípedes chegou a ser afastado, em 2020, do cargo de presidente do partido por causa dessas suspeitas. Desde que esse caso veio a público, a defesa de Eurípedes negou as irregularidades.